

Desde 2012 que há uma tendência de decréscimo no número de interrupções voluntárias da gravidez, o que estará relacionado com um maior acesso ao planeamento familiar
Quando ligou para a Associação para o Planeamento da Família, Ana, 32 anos, casada e com um filho de 6, estava desesperada. Elisabete Fernandes, a psicóloga que atendeu o telefone, recorda que a mulher “nunca imaginou ter um teste positivo e não desejar uma gravidez”. Tinha “o pensamento mágico de que não engravidava”, porque tinha tido um pós-parto complicado e relações sexuais esporádicas. “Queria saber o que fazer, qual era o processo para a interrupção da gravidez, se tinha de ser vista pela médica de família”.
Casos como este são frequentes. “Dez anos depois do referendo, muitas pessoas desconhecem como é que é o acesso a uma primeira consulta”, diz a técnica da equipa de atendimento da APF. É essa uma das razões para contactarem a associação. “Querem saber o que têm de fazer, se têm de ir ao centro de saúde ou se podem ir diretamente ao hospital. Temem que a confidencialidade não seja salvaguardada”.
Duarte Vilar, diretor executivo da APF, reforça que “há muito desconhecimento sobre os direitos e procedimentos práticos”. Há um “período curto”, em que “é preciso agir rapidamente” e “há muitas mulheres que, de facto, não sabem o o que fazer, porque nunca passaram pela situação”. É também por isso, explica, que a APF defende um alargamento das 10 para as 12 semanas (a contar desde a última menstruação) do prazo legal para a IVG a pedido da mulher.
O diretor executivo da APF diz que “há situações em que as mulheres ficam de fora do prazo da lei”, razão pela qual “algumas continuam a ir a Espanha interromper a gravidez”. Para combater o problema da falta de informação, Duarte Vilar considera que seria importante criar “um ponto focal sobre IVG em cada Agrupamento de centros de saúde, uma forma de “aumentar o acesso à informação”.
Acesso à saúde não é uniforme
Teresa Bombas, presidente da Sociedade Portuguesa da Contraceção, não tem dados que lhe permitam confirmar esta falta de informação, mas reconhece que “o acesso à saúde não é uniforme em todo o país”, pelo que aceita que “a acessibilidade à informação também possa não ser uniforme”. Sem esquecer “a população imigrante em Portugal”. “Se existe pouca informação temos então que todos trabalhar no sentido de promover a divulgação da informação”.
Elisabete Fernandes recorda um outro caso de uma jovem de 20 anos que ligou para a APF “muito aflita, muito desorganizada”. Queria interromper a gravidez, mas não queria que ninguém soubesse. Achava que teria de ficar internada e que isso a iria denunciar. “Foi um alívio enorme saber que seria em ambulatório. A maioria das mulheres não sabe este detalhe.”
Há casos em que não está a ser feito qualquer tipo de contraceção, outros em que é mal feita. “Falamos da vigilância e da importância de rever a contraceção”, conta a psicóloga. Elisabete diz que “ninguém faz um aborto de ânimo leve”. “É uma decisão difícil para a mulher, independentemente da circunstância”. Se há pessoas “muito seguras”, outras mostram-se mais “ambivalentes”. “Nós damos suporte, qualquer que seja a decisão”.
Decréscimo desde 2012
Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, acredita que “a maior parte das vezes” não se coloca o problema da falta de informação sobre a IVG. Há “timings muito exigentes”, reconhece, mas “deve promover-se mais a consulta de planeamento familiar, do que como se faz uma IVG”. Dez anos após a despenalização, considera que Portugal está “no caminho certo”: “menos IVG, mais consultas de planeamento, menos complicações”. O grande salto “é mortalidade zero”.
As estatísticas de 2016 da Direção-Geral da Saúde ainda não estão disponíveis, mas os números de 2008 a 2015 mostram que há uma tendência de decréscimo no número de IVG desde 2012. Em 2015, foram realizadas 15.873 por vontade da mulher, o número mais baixo desde 2008.
Lisa Vicente, chefe da Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS, diz que esta diminuição “é o resultado de anos de trabalho”. Por um lado, refere, “melhoraram os recursos para as mulheres que queriam realizar uma IG de forma segura”. Por outro, tem existido em Portugal “um reforço da preocupação com o planeamento familiar, não só das mulheres que fazem uma IG, mas em geral.” A responsável lembra que “desde 2005, uma grande parte dos métodos contracetivos são disponibilizados gratuitamente nos centros de saúde”.
O mais importante é, para Lisa Vicente, “o facto de as complicações ligadas ao aborto inseguro terem diminuído drasticamente”.
Segundo Teresa Bombas, a tendência verificada em Portugal é comum a outros países. “Primeiro parece haver um acréscimo, pois passa a haver registos e números e depois tem havido um decréscimo”. Em 10 anos, “tudo” mudou em Portugal: “O numero de IG tem diminuído e o uso de contraceção aumentado, o que significa que as mulheres não substituíram a contraceção pelo recurso ao aborto”. Está a ser feito um “trabalho efetivo”, mas é preciso “garantir condições de acessibilidade aos cuidados de saúde da mulher” em condições iguais “para toda a população”. Com ANA MAIA
Diário de Notícias
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