
No dia em que o Brasil registrou seu pior resultado econômico desde 1990, com uma queda de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB), o dólar caiu e a Bolsa de Valores subiu. A felicidade dos agentes financeiros não foi irracional. Ela vem da notícia mais surpeendente de ontem: a revelação, pela revista IstoÉ, do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral, que põe a presidente DIlma Rousseff no centro do petrolão.
Até ontem, Dilma podia manter uma distância profilática das denúncias. Podia afirmar desconhecer o esquema de rapina montado na Petrobras por seu partido, o PT, em conluio com o PMDB e o PP. Podia declarar que nunca a corrupção foi tão combatida quanto em seu governo – muito embora ela nada tenha a ver com isso, pois o Judiciário e a Polícia Federal funcionam com autonomia.
Podia dizer até que, se o dinheiro roubado da Petrobras fosse porventura encontrado em sua campanha, isso não poderia ser atribuído a ela. Dilma podia, até ontem, envergar sua polida imagem, esculpida ao longo dos anos pelo marqueteiro João Santana (cuja prisão foi estendida por tempo ilimitado) – a imagem de senhora honesta e ilibada, a “mãezona do PAC”, “faxineira dos corruptos”, aquela “tiazona” séria, que inspira confiança e respeito.
Não mais.
A delação de Delcídio não foi homologada, portanto ainda não tem valor jurídico. Mas os fatos revelados são tão contundentes e vêm narrados em tanta riqueza de detalhes, que não há como acreditar que tudo seja “pura invencionice” – a expressão preferida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar desacreditar denúncias publicadas na imprensa.
A acusação mais grave diz respeito à tentativa de livrar da cadeia os dois maiores empreiteiros presos pela Operação Lava Jato: Marcelo Odebrecht, da empresa que leva seu nome, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez. De acordo com a reportagem, Dilma fez três tentativas para libertá-los. Duas delas deram errado. A terceira foi a indicação do ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça. No cargo, Navarro emitiu parecer favorável aos habeas corpus impetrados pela defesa de ambos, mas foi voto vencido no plenário, e eles continuaram presos.
De acordo com o documento apresentado na reportagem da IstoÉ, Delcídio ainda acusou Dilma e toda a diretoria da Petrobras de ter pleno conhecimento do esquema de superfaturamento na compra da refinaria Pasadena, no Texas – ao contrário do que ela afirmou quando, questionada sobre o assunto, disse ter baseado a aprovação da compra em “informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”.
Delcídio afirmou também, segundo a reportagem, que DIlma se empenhou para indicar o diretor Nestor Cerveró para a presidência da BR Distribuidora, depois que ele perdera o cargo na diretoria internacional da Petrobras. Cerveró, além de já ter confessado a falcatrua de Pasadena em sua delação premiada, foi o pivô da prisão de Delcídio, flagrado numa tentativa de ajudá-lo a fugir do país.
Finalmente, Delcídio atribui ao ex-presidente Lula diversas manobras para obstruir a Justiça. Diz que foi Lula quem o mandou comprar o silêncio e ajudar na fuga de Cerveró. Que ele operou para tirar o nome de seus filhos da CPI dos Correios e do Carf e até mesmo para enviar R$ 220 milhões ao operador do mesalão Marcos Valério, também em troca de seu silêncio. Delcídio confirma no documento as relações próximas de Lula com o pecuarista José Carlos Bumlai e com o empreiteiro Léo Pinheiro, a quem atribui as obras no célebre sítio frequentado por Lula em Atibaia.
Mas acusações contra Lula não surpreendem mais. O envolvimento direto de Dilma no petrolão, ao contrário, é um fato de consequências políticas dramáticas. Em resposta às denúncias, tanto Delcídio quanto Dilma se apressaram em emitir notas naquele estilo clássico, qualificado pelo jornalista Ben Bradlee – editor do jornal The Washington Post durante o caso Watergate – como “non-denial denial”, a negativa que não nega.
A nota de Delcídio afirma que ele não “confirma o conteúdo” da reportagem nem “reconhece a autenticidade dos documentos”. Nenhuma das duas expressões usadas significa que os fatos não sejam verdadeiros. A nota de Dilma é ainda mais vaga. Sem fazer nenhuma referência a Delcídio, ela diz apenas que seu governo se pauta “pelo compromisso com o fortalecimento das instituições”, reafirma seu respeito à lei e à Constituição e repudia “vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais”, usados, segundo ela, como “arma política”.
Politicamente, a fragilidade de Dilma atingiu um ponto crítico. Uma pesquisa realizada com exclusividade pelo Instituto Paraná Pesquisas antes das denúncias perguntou a 2002 eleitores quem é a personalidade mais prejudicial hoje para a política brasileira. Eis os percentuais obtidos em resposta:
Dilma – 28,4%
Lula – 25,8%
Eduardo Cunha – 17,9%
Fernando Henrique Cardoso – 5,3%
Aécio Neves – 5,0%
Renan Calheiros – 3,4%
Jair Bolsonaro – 3,2%
Todos – 2,8%
Outros/Não sabe/Nenhum – 8,4%
Ainda assim, a pesquisa verificou que 65% dos eleitores acreditavam que Dilma chegaria ao final de seu mandato, e 30% achavam que ela seria afastada por meio do impeachment. Em agosto passado, esses percentuais eram, respectivamente, de 48,8% e 48,7%. Tinha havido, portanto, uma melhora na percepção sobre a sustentação do governo DIlma de lá para cá. Com a repercussão das denúncias de ontem e da ação de hoje da Polícia Federal contra Lula, é improvável que esse sentimento se mantenha. Nas manifestações marcadas para o próximo dia 13 de março por todo o país, o grito pelo saída de Dilma será mais intenso.
Politicamente, sua situação se torna a cada dia mais insustentável. A última mudança feita no ministério, ao que tudo indica sob a influência de Lula, se revelou inócua. Na reunião de emergência convocada sob o impacto das denúncias, estavam presentes os mesmos nomes de sempre: o ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, e José Eduardo Cardozo, agora advogado-geral da União (e outro acusado por Delcídio, no documento revelado ontem, de manobrar em favor dos empreiteiros da Lava Jato).
O roteiro para os próximos dias é imprevisível. Mas é possível imaginar alguns passos que o tornariam mais emocionante. O marqueteiro João Santana decide fazer delação premiada. Lula enfim fica preso. O Supremo Tribunal Federal, que ontem aceitou por unanimidade a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o condena – e Cunha é obrigado a sair do cargo. O vice-presidente Michel Temer abandona Dilma. O PMDB e a oposição aproveitam a janela para deflagrar um processo de impeachment descontaminado pela presença nefasta de Cunha. Isolada, Dilma renuncia. O dólar cai, a Bolsa sobe.
No dia em que o Brasil registrou seu pior resultado econômico desde 1990, com uma queda de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB), o dólar caiu e a Bolsa de Valores subiu. A felicidade dos agentes financeiros não foi irracional. Ela vem da notícia mais surpeendente de ontem: a revelação, pela revista IstoÉ, do conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral, que põe a presidente DIlma Rousseff no centro do petrolão.
Até ontem, Dilma podia manter uma distância profilática das denúncias. Podia afirmar desconhecer o esquema de rapina montado na Petrobras por seu partido, o PT, em conluio com o PMDB e o PP. Podia declarar que nunca a corrupção foi tão combatida quanto em seu governo – muito embora ela nada tenha a ver com isso, pois o Judiciário e a Polícia Federal funcionam com autonomia.
Podia dizer até que, se o dinheiro roubado da Petrobras fosse porventura encontrado em sua campanha, isso não poderia ser atribuído a ela. Dilma podia, até ontem, envergar sua polida imagem, esculpida ao longo dos anos pelo marqueteiro João Santana (cuja prisão foi estendida por tempo ilimitado) – a imagem de senhora honesta e ilibada, a “mãezona do PAC”, “faxineira dos corruptos”, aquela “tiazona” séria, que inspira confiança e respeito.
Não mais.
A delação de Delcídio não foi homologada, portanto ainda não tem valor jurídico. Mas os fatos revelados são tão contundentes e vêm narrados em tanta riqueza de detalhes, que não há como acreditar que tudo seja “pura invencionice” – a expressão preferida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar desacreditar denúncias publicadas na imprensa.
A acusação mais grave diz respeito à tentativa de livrar da cadeia os dois maiores empreiteiros presos pela Operação Lava Jato: Marcelo Odebrecht, da empresa que leva seu nome, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez. De acordo com a reportagem, Dilma fez três tentativas para libertá-los. Duas delas deram errado. A terceira foi a indicação do ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça. No cargo, Navarro emitiu parecer favorável aos habeas corpus impetrados pela defesa de ambos, mas foi voto vencido no plenário, e eles continuaram presos.
De acordo com o documento apresentado na reportagem da IstoÉ, Delcídio ainda acusou Dilma e toda a diretoria da Petrobras de ter pleno conhecimento do esquema de superfaturamento na compra da refinaria Pasadena, no Texas – ao contrário do que ela afirmou quando, questionada sobre o assunto, disse ter baseado a aprovação da compra em “informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”.
Delcídio afirmou também, segundo a reportagem, que DIlma se empenhou para indicar o diretor Nestor Cerveró para a presidência da BR Distribuidora, depois que ele perdera o cargo na diretoria internacional da Petrobras. Cerveró, além de já ter confessado a falcatrua de Pasadena em sua delação premiada, foi o pivô da prisão de Delcídio, flagrado numa tentativa de ajudá-lo a fugir do país.
Finalmente, Delcídio atribui ao ex-presidente Lula diversas manobras para obstruir a Justiça. Diz que foi Lula quem o mandou comprar o silêncio e ajudar na fuga de Cerveró. Que ele operou para tirar o nome de seus filhos da CPI dos Correios e do Carf e até mesmo para enviar R$ 220 milhões ao operador do mesalão Marcos Valério, também em troca de seu silêncio. Delcídio confirma no documento as relações próximas de Lula com o pecuarista José Carlos Bumlai e com o empreiteiro Léo Pinheiro, a quem atribui as obras no célebre sítio frequentado por Lula em Atibaia.
Mas acusações contra Lula não surpreendem mais. O envolvimento direto de Dilma no petrolão, ao contrário, é um fato de consequências políticas dramáticas. Em resposta às denúncias, tanto Delcídio quanto Dilma se apressaram em emitir notas naquele estilo clássico, qualificado pelo jornalista Ben Bradlee – editor do jornal The Washington Post durante o caso Watergate – como “non-denial denial”, a negativa que não nega.
A nota de Delcídio afirma que ele não “confirma o conteúdo” da reportagem nem “reconhece a autenticidade dos documentos”. Nenhuma das duas expressões usadas significa que os fatos não sejam verdadeiros. A nota de Dilma é ainda mais vaga. Sem fazer nenhuma referência a Delcídio, ela diz apenas que seu governo se pauta “pelo compromisso com o fortalecimento das instituições”, reafirma seu respeito à lei e à Constituição e repudia “vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais”, usados, segundo ela, como “arma política”.
Politicamente, a fragilidade de Dilma atingiu um ponto crítico. Uma pesquisa realizada com exclusividade pelo Instituto Paraná Pesquisas antes das denúncias perguntou a 2002 eleitores quem é a personalidade mais prejudicial hoje para a política brasileira. Eis os percentuais obtidos em resposta:
Dilma – 28,4%
Lula – 25,8%
Eduardo Cunha – 17,9%
Fernando Henrique Cardoso – 5,3%
Aécio Neves – 5,0%
Renan Calheiros – 3,4%
Jair Bolsonaro – 3,2%
Todos – 2,8%
Outros/Não sabe/Nenhum – 8,4%
Ainda assim, a pesquisa verificou que 65% dos eleitores acreditavam que Dilma chegaria ao final de seu mandato, e 30% achavam que ela seria afastada por meio do impeachment. Em agosto passado, esses percentuais eram, respectivamente, de 48,8% e 48,7%. Tinha havido, portanto, uma melhora na percepção sobre a sustentação do governo DIlma de lá para cá. Com a repercussão das denúncias de ontem e da ação de hoje da Polícia Federal contra Lula, é improvável que esse sentimento se mantenha. Nas manifestações marcadas para o próximo dia 13 de março por todo o país, o grito pelo saída de Dilma será mais intenso.
Politicamente, sua situação se torna a cada dia mais insustentável. A última mudança feita no ministério, ao que tudo indica sob a influência de Lula, se revelou inócua. Na reunião de emergência convocada sob o impacto das denúncias, estavam presentes os mesmos nomes de sempre: o ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, e José Eduardo Cardozo, agora advogado-geral da União (e outro acusado por Delcídio, no documento revelado ontem, de manobrar em favor dos empreiteiros da Lava Jato).
O roteiro para os próximos dias é imprevisível. Mas é possível imaginar alguns passos que o tornariam mais emocionante. O marqueteiro João Santana decide fazer delação premiada. Lula enfim fica preso. O Supremo Tribunal Federal, que ontem aceitou por unanimidade a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o condena – e Cunha é obrigado a sair do cargo. O vice-presidente Michel Temer abandona Dilma. O PMDB e a oposição aproveitam a janela para deflagrar um processo de impeachment descontaminado pela presença nefasta de Cunha. Isolada, Dilma renuncia. O dólar cai, a Bolsa sobe.
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