França, Alemanha e Portugal escapam de pedreiras em sorteio da Euro 2016

Gigante do pote 2, Itália cai junto com Bélgica, Suécia e Irlanda no Grupo E. Inglaterra e País de Gales farão clássico britânico, e campeã Espanha sai em chave equilibrada

Não há grupos da morte na Eurocopa 2016. Mas o raciocínio oposto pode valer para França, Alemanha e Portugal. As três seleções do pote 1 escaparam de pedreiras no sorteio realizado neste sábado, no Palácio de Congressos, em Paris. Em tese, foi o país-sede do torneio que se deu melhor ao cair com Romênia, Albânia e Suíça.

 

Sorteio grupos Eurocopa 2016 (Foto: AFP)
Todos os grupos da Eurocopa 2016: França e Alemanha não devem ter problemas para avançar (Foto: AFP)

Único gigante do pote 2 – a Holanda não passou das eliminatórias -, a Itália foi sorteada no Grupo E, com Bélgica, Irlanda e a Suécia de Zlatan Ibrahimovic. É uma das chaves mais equilibradas, juntamente com as de Espanha (Turquia, República Tcheca e Croácia) e Inglaterra, que terá clássico contra País de Gales, além de enfrentar Rússia e Eslováquia.

A Euro será disputada entre 10 de junho e 10 de julho e terá pela primeira vez na história 24 seleções, espalhadas pelos seis grupos. Apenas seis serão eliminadas antes das oitavas de final – os dois primeiros mais os quatro melhores terceiros avançam de fase.

Didier Deschamps técnico França (Foto: AP)
O técnico francês, Didier Deschamps, sorri durante o sorteio: donos da casa não têm pedreira no caminho (Foto: AP)

A partida de estreia será entre França e Romênia, no Stade de France, palco de um dos ataques terroristas na capital francesa no último dia 13 de novembro – a final está marcada para o mesmo estádio. Serão dez sedes ao todo: Saint-Denis, Marselha, Lyon, Lille, Paris, Bordeaux, Saint-Étienne, Nice, Lens e Toulouse.

Durante a cerimônia, notou-se obviamente a ausência de Michel Platini, atual presidente da Uefa suspenso de qualquer atividade ligada ao futebol por conta de uma investigação de pagamento indevido. O público presente no Palácio, no entanto, o aplaudiu efusivamente quando o dirigente apareceu comemorando um gol pela seleção francesa na Euro de 1984, ainda nos tempos de jogador. Ele pode não participar da competição que ajudou a organizar se for severamente punido pelo Comitê de Ética da Fifa.

Confira os grupos abaixo:

Grupo A – França, Romênia, Albânia e Suíça

Grupo B – Inglaterra, Rússia, País de Gales e Eslováquia

Grupo C – Alemanha, Ucrânia, Irlanda do Norte e Polônia

Grupo D
– Espanha, Turquia, República Tcheca e Croácia

Grupo E – Bélgica, Irlanda, Suécia e Itália

Grupo F
– Portugal, Islândia, Hungria e Áustria

Mascote Super Victor sorteio Eurocopa (Foto: Reuters)
O mascote Super Victor marcou presença no sorteio (Foto: Reuters)
GLOBO ESPORTE.COM

Eis o que o Mercosul representa para a Venezuela: nada

O argentino Macri ameaçou suspender o país do bloco se os chavistas roubassem as eleições, mas o fato é que o impacto da medida seria nulo

Por: Diogo Schelp

12/12/2015 às 8:00

Sem relevância


Dilma Rousseff, Nicolás Maduro e Cristina Kirchner em encontro do Mercosul, em 2014 (Jorge Silva/Reuters)

Mauricio Macri fez uma grande jogada diplomática um dia depois de vencer as eleições presidenciais na Argentina ao dizer que, se Nicolás Maduro não aceitasse os resultados das eleições parlamentares na Venezuela, realizadas no último dia 6, recorreria à cláusula democrática do Mercosul para suspender o país do bloco. Muito se discutiu se a tal cláusula poderia ser aplicada nesse caso, mas isso é o menos importante. O fato é que, como a oposição venezuelana venceu o pleito e Maduro reconheceu a derrota, Macri passou a imagem de um líder forte que não assiste passivamente enquanto protoditadores da região agem impunemente. (Ele nem precisou correr o risco de ter seu plano recusado pelos outros países do Mercosul, porque desistiu de cumprir a ameaça assim que Maduro reconheceu a derrota.) O que poucos sabem é que, se parecia que Macri estava partindo com um grande porrete para cima de Maduro, na realidade a paulada não ia doer nada — pelo menos não na população venezuelana, que é o que importa.

Não foi a ameaça de Macri o que levou Maduro a desistir de passar por cima da vontade popular, e sim a perda do apoio das forças armadas (como mostraram esta semana reportagens dos jornais El Nuevo Herald, dos Estados Unidos, e ABC, da Espanha) e a incrível mobilização da população e da oposição venezuelana para impedir as fraudes nas urnas (como mostrei nestareportagem). A saída do bloco teria, claro, algum impacto diplomático e simbólico, mas de resto o Mercosul é irrelevante para a combalida economia venezuelana. Não apenas porque o país, três anos depois de aderir oficialmente, ainda não adotou as medidas necessárias para se integrar ao Mercosul, mas também porque o setor privado local não vê vantagens em fazer parte do mercado regional. Afinal, a capacidade produtiva do país, que já não era das maiores, foi destroçada pelas políticas populistas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Hoje, a Venezuela importa mais de 90% dos bens que consome e praticamente só exporta petróleo. Essa é a tônica de duas entrevistas que fiz esta semana em Caracas, a primeira com o representante de uma entidade empresarial e a segunda com um respeitado economista venezuelano.

Victor Maldonado, diretor executivo da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Caracas:

Que importância tem o Mercosul para a Venezuela? O Mercosul, para nós, é apenas um fórum político, sem relevância econômica. Outros presidentes aparecem nas reuniões com seus empresários, mas o presidente Hugo Chávez aparecia sozinho, com seus assessores. Nicolás Maduro também. Até o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que nem tem mandato para negociar em nome do governo, fez visitas de negócios ao Brasil, onde fechou grandes compras para a Venezuela.

Espere um pouco: as empresas privadas da Venezuela nunca foram consultadas sobre questões referentes ao Mercosul? Nunca fomos chamados para isso, nunca fomos ouvidos. E não estou falando apenas de participação de entidades empresariais, como a nossa. Chávez e Maduro podiam pelo menos ter seguido o exemplo de Lula, que desembarcava em outros países com dezenas de empresários a tiracolo. O último encontro regional de que me recordo em que houve a participação de empresários venezuelanos foi em um Fórum Empresarial do Mercosul que se realizou no Chile. Nosso governo não convidou nenhuma de nossas empresas. Alguns empresários venezuelanos ligados à Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela) conseguiram acesso limitado ao evento, mas apenas porque receberam um convite especial dos empresários chilenos. Nós nunca fomos convocados, de nenhuma maneira, para participar das negociações do bloco. Isso é um descalabro, porque qualquer forma de mercado comum deveria ter instâncias de negociação, que nos foram negadas, para harmonizar as economias e tratar de fazer com que sejam complementares.

Voltando, então, ao significado do Mercosul para o país. O fato é que, na Venezuela, o Estado se transformou em um empresário – um péssimo empresário, ineficiente e corrupto, e que, além de tudo, aonde quer quer vai sai corrompendo as pessoas e as instituições. Vai à Argentina e corrompe, vai ao Brasil e corrompe.  A Venezuela entrou no Mercosul por razões políticas. A única razão econômica que nosso governo ofereceu foi entregar nosso petróleo, ou oferecer um câmbio de divisas muito conveniente para os outros, mas péssimo para o nosso país. Os negócios regionais devem ser, sobretudo, negócios entre empresas privadas. Os presidentes deveriam ter muito pouco a dizer sobre isso. Os governos, em nome de seus Estados, deveriam assinar acordos e protocolos, claro, mas para estabelecer o livre trânsito de pessoas e o livre fluxo de mercadorias, garantir espaço aéreo e dar sentido e racionalidade às capacidades dos países. Os mercados comuns são para que todos ganhem, e não para que uns ganhem mais que outros. O Brasil é muito grande. Em termos industriais, não dá nem para comparar com a Venezuela. Todos sabem que o Brasil é uma fortaleza econômica. Não se abre de forma alguma.

O Mercosul não serviria aos interesses da Venezuela nem em uma situação ideal, com outro governo, outra situação econômica e após uma recuperação gradual da indústria local? Há muito por fazer. O problema do Mercosul é que se trata de uma criação muito política, que acreditava ser possível estabelecer um mercado fictício. Os mercados regionais não podem ser decretados com uma canetada. Também não é possível um mercado regional em que o bolívar, a moeda venezuelana, não vale nada, como acontece atualmente. O Mercosul só fará sentido quando a América Latina deixar para trás a era dos Estados fortes para entrar na era das sociedades e dos mercados fortes.

Asdrúbal Oliveros, economista e diretor da Ecoanalítica, consultoria com sede em Caracas:

O Mercosul é importante para a Venezuela? A discussão na Venezuela é outra. Ao contrário do que acontece aqui, a América Latina neste momento não discute programas de estabilização, de ajuste. Isso já é uma etapa superada. O problema dos principais países da América Latina, hoje, é competitividade, acordos comerciais, redução de pobreza e da desigualdade e investimento em infraestrutura. Desse ponto de vista, a Venezuela está 20 anos atrasada em comparação ao que está acontecendo na Colômbia, no Peru, no Chile, no México e no Brasil. O importante nesta etapa é conseguir a estabilidade econômica da Venezuela. Nós só vamos ver vantagem no Mercosul quando tivermos estabilidade, uma política cambiária competitiva e a inflação e o déficit fiscal estiverem sob controle. Ou seja, quando tivermos aquilo que os economistas chamam de um ambiente macroeconômico saudável e estável. Ainda há dúvidas se vamos conseguir isso no curto prazo. Se conseguirmos, aí sim a Venezuela começará a debater a importância que o Mercosul pode ter para nós.

Então foi uma decisão equivocada de Chávez entrar no Mercosul? Até agora, sempre fui um crítico da entrada da Venezuela no Mercosul. Sempre defendi a tese de que a negociação deveria ter sido entre a Comunidade Andina (CAN) e o Mercosul. Mas Chávez estava decidido, e preferiu desmantelar a CAN. Com isso, estamos mais vulneráveis, porque nossa economia é quase totalmente dependente do petróleo e tem um grau de industrialização muito baixo em comparação com os outros países da América Latina. Por causa da renda do petróleo, temos um PIB per capita mais alto do que o Uruguai e o Paraguai. Mas em termos de indústria e agricultura perdemos até para esses países. Quando a situação da economia venezuelana estiver resolvida, a Venezuela e suas empresas talvez possam se beneficiar de alguma forma do Mercosul. Com certeza seremos um parceiro importante para os outros países. Uma economia como a nossa é um mercado interessante, porque nossos níveis de consumo costumavam ser elevados – claro que, com esta crise, estão por ora destroçados – e vão continuar sendo atraentes para as empresas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai.

 

Fonte : VEJA.COM

A carta patética de Michel Temer (mas não a que você está pensando)

Por: André Petry

12/12/2015 às 12:38 – Atualizado em 12/12/2015 às 12:38

Ilustraçao - Dilma Temer pedalada
Temer e Dilma: como convencer os brasileiros a entregar a cadeira presidencial a uma autoridade que cometeu o mesmo crime da autoridade que sai?(VEJA.com/VEJA)

Na terça-feira passada, o vice-presidente Michel Temer divulgou duas mensagens escritas. A primeira era uma carta de desabafo dirigida à presidente Dilma Rousseff, com uma longa lista de reclamações. Causou um tremendo salseiro político e uma infindável – e impagável – sucessão de memes nas redes sociais. A segunda era uma nota à imprensa, que passou quase despercebida, mas talvez tenha duração mais longa que a carta do desabafo. Na nota, Temer responde a uma revelação publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Segundo o jornal, o vice, tal como a presidente, também assinou decretos de crédito suplementar sem a devida autorização legislativa. O assunto é o primeiro e o principal na lista de razões que embasam o pedido de impeachment contra Dilma. Aplicando-se a mesma lógica, Temer também estaria sujeito a impeachment.

Na nota, curta, Temer diz que, nas interinidades, o vice-presidente atua “em nome do titular do cargo”, cumprindo apenas formalidades e assinando “documentos e atos” que estejam vencendo no período. “Ele cumpre, tão somente, as rotinas dos programas estabelecidos pela presidente em todo âmbito do governo, inclusive em relação à política econômica e aos atos de caráter fiscal e tributário”. Por fim, Temer afirma que, assinando esses documentos e atos, o vice-presidente não está formulando a “política econômica ou fiscal” do governo e também não “entra no mérito das matérias objeto de decretos ou leis”. Em outras palavras, Temer diz que não é responsável por sua assinatura, pois atuava em nome de Dilma, nem pelo conteúdo do que assinou, pois não o formulou nem o concebeu.

“A resposta é pífia”, reagiu o senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná. O senador pediu ao Tribunal de Contas da União um parecer sobre o caso de Temer. “Para mim, é uma questão pacífica”, diz o tucano. Afinal, ao analisar esses mesmos decretos assinados por Dilma, o TCU concluiu que eram irregulares. “Não podemos ser seletivos. Temos que ser coerentes. A régua para medir uns e outros tem de ser a mesma”, diz o senador. De fato, a explicação de Temer causa certa perplexidade pela singeleza. Equivale a dizer que o vice-presidente, além de decorativo, é inimputável. Pode assinar qualquer coisa, mesmo ilegal, desde que seja a mando do presidente – e nada lhe será cobrado. Vista sob esse ângulo, a nota é patética. E nem todos os vices interpretam a função com tanta passividade.

Aureliano Chaves, vice do general João Figueiredo, causou uma crise política em 1981, quando ocupava o cargo em função do infarto do titular. Na cadeira de presidente, recebeu um documento para assinar. Era a ordem de expulsão de dois padres franceses, Aristides Camio e François Gouriou, acusados de incitar invasões de terra no sul do Pará. Aureliano recusou-se a assinar. E não assinou. (Os padres acabaram condenados a 10 e 15 anos de cadeia, cumpriram dois anos e quatro meses e só então foram expulsos.) Era um assunto político, não tinha nenhum impacto econômico e financeiro. Temer, obviamente, poderia ter feito o mesmo. Mas, ao contrário, assinou. Não um decreto, mas nove, que, somados, passam de 67 bilhões de reais. Foram cinco decretos no primeiro mandato, em 2014, e quatro já no segundo mandato, agora em 2015.

Para complicar, na mesma terça-feira da carta de desabafo e da nota à imprensa, Temer deu uma entrevista dizendo que, na sua opinião, o pedido de impeachment contra Dilma “tem, sim, lastro jurídico”. Isso significa que, na opinião do vice, assinar decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa constitui crime de responsabilidade. Se Temer sabia disso, a questão que fica no ar é outra: por que assinou nove decretos sabendo que violavam a lei? Neste caso, deveria ter-se recusado a assiná-los. Ninguém tem mandato ou poder para obrigar o vice-presidente a cometer um ato que, na sua própria opinião, constitui-se em crime de responsabilidade. (Os decretos de crédito suplementar, assinados por Dilma e Temer, não são o que se convencionou chamar de “pedaladas fiscais”. Todas as irregularidades orçamentárias que aparecem no pedido de impeachment têm sido chamadas de “pedaladas fiscais”, mas apenas para efeito de simplificação.)

A explicação de Temer sobre suas pedaladas, ao dizer que cumpria mera formalidade e não definira a política econômica ou fiscal, tem alguma semelhança, guardadas as enormes diferenças de fundo e de natureza, com aquela manobra dos militares da Argentina. Tentando escapar da responsabilidade dos sequestros, torturas e assassinatos durante a ditadura, eles inventaram a “lei da obediência devida”. Pela lei, eles sequestraram, torturaram e mataram porque tinham ordens para fazê-lo e tinham a obrigação funcional de cumprir tais ordens. Portanto, não podiam ser punidos por isso. Mas Temer não pode alegar nem algo como uma “obediência devida”. Vice não cumpre ordens de ninguém, nem da presidente. Muito menos ordens que dão “lastro jurídico” a impeachment.

Em condições normais, tudo o que um vice pretende ao assumir o cargo é cumprir a rotina burocrática e não causar problemas. Temer, nas suas interinidades, certamente preocupou-se em não paralisar a máquina pública, o que poderia criar sabe-se lá quais turbulências. Por isso, cumpriu as tarefas formais que lhe foram exigidas. Mas, se tinha ciência de que os decretos eram irregulares, era recomendável que Temer comunicasse a presidente que não os assinaria. Dilma que encontrasse uma saída. Ela poderia decidir cancelar as viagens internacionais nas datas de renovação dos decretos. Ou podia mandar os decretos às favas. Em qualquer situação, Temer estaria a salvo sem ter sido desleal e sem parar a máquina pública. Mas Temer também não fez isso.

A outra hipótese é que Temer não soubesse que se tratava de um crime. É plausível. Mas, se admitir isso agora, Temer se colocaria numa posição politicamente cavilosa: se assinou por não saber que era crime, por que estaria agora vindo a público dizer que o impeachment tem “lastro jurídico”? Seria mais elegante dizer que o “lastro jurídico” do impeachment é frágil, tão frágil que mesmo ele, Temer, constitucionalista por formação, não tinha conhecimento da irregularidade ao assinar os decretos. Mas, com o poder em jogo, esses tempos não estão para elegância.

A armadilha em que Temer se meteu é quase inescapável. Mesmo que o TCU decida isentá-lo de qualquer responsabilidade, restará a questão política que sempre permeia um processo de impeachment: como convencer os brasileiros a entregar a cadeira presidencial a uma autoridade que cometeu o mesmo crime da autoridade que sai? É defensável punir Dilma por um crime e premiar Temer pelo mesmo crime? Já surgiu pedido na Câmara dos Deputados para incluir o nome de Temer no pedido de impeachment contra Dilma. Do ponto de vista das ruas, talvez seja até mais animador pedir o impeachment dos dois, Dilma e Temer. Afinal, estão juntos há cinco anos, no mesmo ambiente com cheiro de enxofre. Mas levar o Congresso a aprovar um impeachment sem apoio do PMDB de Temer é coisa que talvez nem as ruas tenham força para fazer.

Tudo considerado, a explicação lógica para o comportamento de Temer parece ser a seguinte: ele não sabia o que estava assinando. Provavelmente, não imaginava que, no exercício da Presidência da República, lhe dariam documentos irregulares para assinar. Confiava que só lhe pediam para cumprir rotinas lícitas, inquestionáveis. E, assim, sem ler detidamente o conteúdo dos decretos, assinava-os. O drama de Temer é que a alegação de que assinou sem ler, ou sem saber o que assinava, não isenta ninguém perante tribunal nenhum do mundo. A nota irônica é que, na carta de desabafo a Dilma, Temer começou com uma citação em latim: “verba volant, scripta manent” (as palavras voam, os escritos permanecem). Agora, encontra-se numa sinuca em latim: “verba volant, decreta manent”* (as palavras voam, os decretos permanecem).

*Com tradução do professor Adriano Scatolin, professor de Língua e Literatura Latina da Universidade de São Paulo.

 

Fonte : VEJA.COM

A terrível máquina de retrocesso econômico de Dilma Rousseff

A política econômica da presidente levou os brasileiros a reviver traumas como a inflação e a recessão, que pareciam já ter sido superados de forma definitiva pelos governos anteriores

Por: Giuliano Guandalini e Marcelo Sakate

11/12/2015 às 21:36 – Atualizado em 11/12/2015 às 21:36

Dilma Rousseff: “Ela conseguiu pegar o pior de cada governo que tivemos. Para gerar a recessão histórica pela qual estamos passando, os erros não foram poucos”, diz o economista Sergio Vale
Dilma Rousseff: “Ela conseguiu pegar o pior de cada governo que tivemos. Para gerar a recessão histórica pela qual estamos passando, os erros não foram poucos”, diz o economista Sergio Vale(VEJA.com/VEJA)

“Pode ser que ele tenha sido varrido para o passado e esteja agora entre os canibais hirsutos da Idade da Pedra; ou caído nas profundezas abissais do Mar do Cretáceo; ou esteja fugindo de lagartos grotescos, gigantescos monstros reptilianos dos tempos jurássicos…”

H.G. Wells, em A Máquina do Tempo

A passagem, extraída do epílogo do famoso livro do escritor inglês de ficção científica, pinta, mais de um século depois de sua publicação, um quadro real da viagem ao passado que a presidente Dilma fez o Brasil empreender. Em raros outros momentos da história o Brasil regrediu tão rapidamente em tão pouco tempo. Em certos aspectos, foram cinquenta anos em cinco – mas de atraso! É o caso da indústria. A produção regride continuamente, e a sua participação na produção econômica do país (produto interno bruto, o PIB) desabou para 10,9% em 2014, algo não visto há mais de seis décadas. Sua importância para a economia não era tão baixa desde 1950, ano em que o Brasil festejava a realização de sua primeira Copa do Mundo e vivia o início da industrialização, com a política de substituição de importações e a instalação de fábricas de carros e eletrodomésticos. Foi quando também a televisão chegou ao país, com a TV Tupi, de Assis Chateaubriand. A derrocada da indústria, nos anos Dilma, continua a se aprofundar. A projeção é que entre 2015 e 2016 a sua fatia no PIB ficará abaixo de 10%.

A indústria sem dúvida representa um caso extremo, mas está longe de ser a única vítima do retrocesso. A atual recessão, já classificada como depressão econômica pela sua extensão e profundidade, é a mais severa desde a registrada entre 1981 e 1983. A inflação passou dos 10% e, pela primeira vez desde 2002, deverá encerrar o ano em dois dígitos. Trata-se de um exemplo de como o país voltou a ser assombrado por fantasmas dos quais havia imaginado ter se livrado. Isso para não falar da indústria do petróleo. Depois da descoberta do pré-sal, o governo decidiu reassumir o monopólio da exploração, inspirado pela Lei do Petróleo de 1953, editada por Getúlio Vargas no embalo da campanha O Petróleo é Nosso. Agora, graças às investigações da Operação Lava-Jato e a seus desdobramentos, sabe-se mais claramente o que os petistas tinham em mente quando gritavam “o petróleo é nosso”.

O estado das contas públicas é trágico. Retroagiu aos anos anteriores à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000. O governo funciona no vermelho. Registra déficits recorrentes no seu resultado primário (excluindo os gastos com os juros), algo que não ocorria desde o início da publicação dessas estatísticas pelo Tesouro Nacional, em 1997. O descalabro do Orçamento federal, resultado de uma gastança em um volume superior em muito às possibilidades do país, havia sido mascarado por algum tempo pelas infames “pedaladas fiscais”, as manobras contábeis criadas por Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, e seu secretário do Tesouro, Arno Augustin. A estratégia de usar bancos públicos para financiar o excesso de gastos remonta à chamada “conta movimento”, usada à larga nos anos finais da ditadura militar e que se imaginava extinta em 1986. Essa conta teve seu ápice nos anos 70. O Banco Central provia créditos para o Banco do Brasil, que emprestava dinheiro livremente a fim de manter inflada a bolha de crescimento do “milagre econômico”. Era a ilusão de que se podia criar riqueza a partir do éter, sem nenhuma base material, apenas imprimindo dinheiro e liberando crédito estatal. Naquele período, alguns economistas ainda imaginavam que os incentivos estatais para os investimentos e o consumo poderiam levar ao crescimento. Mas esse era um mecanismo de uso temporário, em fases de recessão, e não para se tornar a razão de ser de uma política econômica. Qualquer pessoa letrada em economia sabe que o desenvolvimento decorre de incentivos para o investimento privado, de regras estáveis, de concorrência externa, de qualidade da educação e da atuação de trabalhadores qualificados. O capitalismo requer estado, mas o setor privado deve ser o protagonista. Não o inverso. Capitalismo de estado, ao gosto bolivariano, não passa de um socialismo disfarçado ou populismo.

“Depois da última crise do real, em 1999, e da criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, convergimos para uma política fiscal sensata”, diz o economista Heron do Carmo, professor da FEA-USP. “No fim do governo Lula, a orientação da política econômica começou a mudar, mas os efeitos não foram imediatos porque estávamos em meio ao ciclo das commodities e a economia mundial ainda crescia rapidamente. Houve uma tentativa de incentivar o crescimento por meio de um ativismo fiscal, que gerou diversos desequilíbrios no orçamento. Uma das principais características dessa política foi o represamento dos preços administrados.” Para Mantega, entretanto, o modelo fundado no Brasil seria uma “nova matriz econômica”, que de nova não tinha nada. De quebra, ela arrasou a economia. Espera-se, apenas, que de maneira não terminal, como há trinta anos.

 

Fonte : VEJA.COM

O povo contra o populismo

A vitória acachapante da oposição nas eleições legislativas da Venezuela acelera o fim do ciclo de atraso, corrupção e autoritarismo que assola a América Latina

Por: Diogo Schelp, de Caracas

11/12/2015 às 21:35 – Atualizado em 11/12/2015 às 21:35

Virada: Venezuelanas comemoram a derrota do chavismo nas urnas, na semana passada, apesar das tentativas de fraude
Virada: Venezuelanas comemoram a derrota do chavismo nas urnas, na semana passada, apesar das tentativas de fraude(Luis Robayo/AFP)
Arte economia Venezuela
(VEJA.com/VEJA)

Em julho de 2011, já debilitado por um câncer que acabaria por matá-lo dois anos depois, o venezuelano Hugo Chávez disse: “Temos de consolidar a transição do modelo capitalista, que está acabando com o mundo, para o modelo socialista, que é a salvação da humanidade”. Esse era o pensamento por trás da diplomacia do petróleo, que Chávez, presidente da Venezuela entre 1999 e 2013, aplicara nos anos anteriores. Em troca dos petrodólares que distribuía aos governos de outros países da América Latina, Chávez esperava não apenas lealdade e aliança, mas também a imitação de suas políticas, que consistiam em destruir a iniciativa privada, estabelecer o controle estatal dos meios de produção e de comunicação, suprimir qualquer voz dissidente, tornar a população profundamente dependente do Estado para garantir fidelidade nas eleições e, por fim, impor a submissão dos outros poderes da República, especialmente o Judiciário. O populismo de Chávez fez discípulos de norte a sul, da Nicarágua à Argentina, passando por Equador, Bolívia e Paraguai. Nem o Brasil esteve imune ao chavismo. A importação de médicos cubanos, para citar apenas um exemplo, foi claramente inspirada em um programa semelhante adotado na Venezuela. Quando essas políticas fracassavam, segundo a cartilha de Chávez, bastava jogar a culpa na oligarquia ou em alguma força externa.

Pois o modelo chavista fracassou rotundamente, como se diz em espanhol, e os cidadãos estão cobrando a fatura – uns mais tardiamente do que outros. Os argentinos encerraram doze anos de kirchnerismo e elegeram Mauricio Macri, um político pró-negócios que rechaça o papel de salvador da pátria, para a Presidência, cargo que ele assumiu na quinta-feira passada. Encorajados pelos bons ares vindos do sul, os venezuelanos também deram uma surra no populismo nas urnas, em eleições legislativas realizadas no domingo 6. Se há algum mérito na petrodiplomacia de Chávez, está em ter aberto os olhos dos venezuelanos para o que acontecia nos outros países da região. Esse interesse inédito pelos vizinhos, porém, acabou por agir contra o chavismo. Os eleitores venezuelanos dizem que se sentiram inspirados pelo exemplo argentino, pois viram que era possível vencer o autoritarismo pela via eleitoral. O desejo de mudança era tal que, num país onde o voto é facultativo, 74,2% dos eleitores compareceram às urnas (marca equivalente à do Brasil, onde ele é obrigatório). “Há na região um efeito dominó, que começou na Argentina e vai chegar ao Brasil”, arrisca-se a prever Ali Maurad, de 35 anos, um designer gráfico que foi criado numa favela de Caracas e se considera chavista. Neste ano, pela primeira vez desde que Hugo Chávez ocupou o poder, Maurad votou na oposição. Não porque mudou de lado – seu coração ainda érojo, rojito (vermelho, vermelhinho) -, mas porque percebeu que o desrespeito à iniciativa privada e os gastos descontrolados para a distribuição de benefícios apenas pioraram a situação de pobreza no país.

Estima-se em 2 milhões o número de chavistas que, como Maurad, votaram na oposição neste ano. Essa é a diferença em relação ao total de votos recebidos por Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez, nas eleições presidenciais de 2013. “O apoio ideológico ao chavismo desapareceu. Sobrou apenas o voto utilitarista, das pessoas que acham que podem perder algo com o fim do regime, seja um cargo público, seja algum benefício”, diz a cientista política Elsa Cardozo, da Universidade Simón Bolívar. O movimento inaugurado por Chávez enfraqueceu-se de tal forma que até os militares, categoria cuja lealdade foi comprada à custa de muitas regalias e de aumentos salariais acima da média nacional, estão insatisfeitos. Uma sondagem interna, semanas antes das eleições, mostrou que a impopularidade do governo entre os integrantes das Forças Armadas era semelhante à verificada pelas pesquisas de opinião no restante da população. Afinal, os militares, como todos os venezuelanos, também sofrem com a inflação de 220% ao ano, a mais alta do mundo, e com a escassez, que afeta mais da metade dos produtos básicos e condena os cidadãos a um bizarro sistema de racionamento, a filas colossais nos supermercados e a preços extorsivos do mercado negro. Com esse dado em mãos, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, informou à cúpula chavista, em uma reunião no Forte Tiú­na, em Caracas, uma semana antes das eleições, que não daria respaldo militar a uma tentativa do governo de desrespeitar o resultado das urnas.

Isso não impediu a máquina eleitoral chavista de recorrer a certas táticas, já consagradas nos últimos anos, para roubar votos durante o pleito. A mais grave delas consiste em fechar os centros de votação, mas manter as urnas eletrônicas ligadas durante várias horas. Então, à noite, quando a população já está recolhida em casa, chegam ônibus cheios de militantes para votar em nome dos eleitores que se abstiveram. Desta vez, isso não foi possível porque a oposição formou uma vasta rede de observadores em todo o país. A reportagem de VEJA também testemunhou a coragem dos moradores da favela La Vega, em Caracas, que se reuniram em frente a uma escola para impedir a fraude (as urnas ali permaneceram abertas por mais de uma hora após o fim da votação, apesar de não haver mais eleitores na fila). Por fim, depois que o general Padrino apareceu na televisão, à frente de todo o alto-comando militar, afirmando que os resultados seriam respeitados e que as Forças Armadas não aceitariam atos de violência nas ruas, não sobrou a Maduro alternativa além de recolher os colectivos, as milícias armadas do chavismo, e assumir a derrota.

Dez anos depois de cometer o grave erro de boicotar as eleições legislativas de 2005 em protesto contra medidas autoritárias de Chávez, o que deu a ele o controle absoluto da Assembleia Nacional e a possibilidade de aprofundar o seu projeto de poder, a oposição terá, a partir de 5 de janeiro, a maioria de dois terços dos deputados. Essa proporção, no sistema unicameral do país, representa um contrapeso considerável ao governo. A oposição poderá modificar leis já existentes, como a que estabelece o draconiano controle de preços, e aprovar outras, como a de anistia – para libertar os 78 cidadãos que foram encarcerados a mando do governo, com provas forjadas, por representarem uma amea­ça à hegemonia chavista. “Apesar de a política econômica ser atribuição do governo, a Assembleia também terá um papel essencial nessa área, exigindo que os ministros divulguem estatísticas confiáveis sobre a real situação do país, fiscalizando os gastos públicos, cujo descontrole resultou num déficit de 20% do PIB, e reformando os programas sociais para que se tornem mais eficientes e menos clientelistas”, diz o economista Asdrúbal Oliveros, diretor da consultoria Ecoanalítica, de Caracas. Os deputados oposicionistas também terão poder para destituir ministros e trocar a cúpula do Judiciário e do órgão máximo eleitoral, atualmente dominada por chavistas.

Diante desse cenário, a postura mais prudente para Maduro seria assumir que o projeto chavista fracassou, fazer uma correção de rumo e trabalhar junto com a nova Assembleia, que tem um mandato forte para fazer as mudanças necessárias para o país. Mas não foi isso que se viu nos primeiros dias após a eleição. “A reação de Maduro está sendo desqualificar quem votou contra ele e confrontar os vitoriosos. Essa estratégia vai conduzir o presidente ao suicídio político”, diz o sociólogo Trino Márquez, da Universidade Central da Venezuela.

A oposição está disposta a dar o tiro de misericórdia. Se antes seus líderes se dividiam entre os que defendiam abreviar a gestão de Maduro e os que preferiam aguardar o fim do mandato, agora há o consenso de que a mudança de governo deve ocorrer mais cedo do que tarde. “Ninguém mais acha plausível esperar até 2019, data das próximas eleições presidenciais”, diz Alejandro Plaz, dirigente do partido Voluntad Popular. Entre as opções legais para abreviar o governo estão a realização de um referendo revogatório, capaz de destituir Maduro, e a convocação de uma nova Constituinte, para encurtar o mandato presidencial. Ambas, na atual conjuntura, são fáceis de levar adiante. Há uma terceira opção. “Defendo a ideia de que ele reconheça que foi derrotado nesse plebiscito e que, pelo bem da Venezuela e por seu próprio bem, renuncie”, diz María Corina Machado, do partido Vente Venezuela, referindo-se ao fato de que o próprio Maduro quis usar as eleições parlamentares para endossar suas políticas. Uma possível explicação para o apego da cúpula chavista ao poder absoluto que por ora detém reside nas denúncias de envolvimento de figurões como Diosdado Cabello, atual presidente da Assembleia, e parentes de Maduro com o tráfico internacional de cocaína. Diz Carlos Guyon, um ex-chavista que em 1992 participou de um fracassado golpe militar ao lado do então desconhecido Hugo Chávez: “Eles sabem que o dia em que serão enviados para uma prisão americana se aproxima, e estão apavorados”.

 

Fonte : VEJA.COM