Módulo 6
Pressupostos de admissibilidade
Os recursos necessitam ser, para o recebimento e encaminhamento à instância superior:
- a) cabíveis – haver previsão legal para s sua interposição;
- b) adequados – deve-se respeitar o recurso exato indicado na lei para cada tipo de decisão impugnada;
- c) tempestivos – interpostos no prazo legal.
São três os pressupostos objetivos. Devem, ainda, ser:
- a) envoltos pelo interesse da parte – se for vencedora em todos os pontos sustentados, não havendo qualquer tipo de sucumbência, inexiste motivo para provocar outra instância a reavaliar a matéria;
- b) abarcados pela legitimidade = o recurso precisa ser oferecido por quem é parte na relação processual, estando capacitado a fazê-lo ou quando a lei expressamente autorize a interposição por terceiros, conforme preceitua o art. 598, CPP, que menciona as pessoas enumeradas no art. 31.
Não incluímos a competência para julgar o recurso como pressuposto de admissibilidade porque é mero requisito de conhecimento por parte de terminado juiz ou tribunal.
Princípio da fungibilidade
Significa que a interposição de um recurso por outro, inexistindo má-fé ou erro grosseiro, não impedirá que seja ele processado e conhecido. Assim, caso a parte esteja em dúvida, por exemplo, se é caso de interposição de recurso em sentido estrito ou apelação, mesmo porque a matéria é inédita ou controversa na doutrina ou na jurisprudência, é plausível que a opção feita seja devidamente encaminhada para a instância superior, merecendo ser devidamente avaliada.
Erro grosseiro é aquele que evidencia completa e injustificável ignorância da parte, isto é, havendo nítida indicação na lei quanto ao recurso cabível e nenhuma divergência doutrinária e jurisprudencial, torna-se absurdo o equívoco, justificando-se a sua rejeição. Já se posicionou o STJ:
Decaindo o impetrante em parte do pedido formulado ao Tribunal de origem, em sede de habeas corpus, é cabível a interposição de recurso ordinário, constituindo erro inescusável o manejo de recurso especial (Resp 53.973-RS, 6ª T., rel. Paulo Gallotti, 22.08.2006, DJ 09.10.2006, p. 369)
A má-fé surge em variados aspectos, embora o mais saliente seja a utilização de um determinado recurso unicamente para contornar a perda do prazo do cabível. Exemplo de aceitação da fungibilidade; pode-se conhecer a carta testemunhável com recurso em sentido estrito, quando for denegado seguimento à apelação.
Vedação à reformatio in pejus
Não há possibilidade da parte recorrer contra uma decisão e, ao invés de conseguir a modificação do julgado, segundo sua visão, terminar obtendo uma alteração ainda mais prejudicial do que se não tivesse recorrido.
Veda o sistema recursal que a instância superior, não tendo a parte requerido, empreenda uma reformatio in pejus. É verdade que o artigo em comento trata apenas da situação do réu, mas o mesmo vem sendo aplicado no tocante à acusação por grande parte da jurisprudência. Assim, quando somente o promotor recorre, por exemplo, não pode o Tribunal absolver o réu ou diminuir-lhe a pena.
Admitir o princípio da reforma em prejuízo da parte retiraria a voluntariedade dos recursos, provocando no espírito do recorrente enorme dúvida, quanto à possibilidade de apresentar recurso ou não, visto que não teria garantia de que a situação não ficaria ainda pior. Seria maniatar a livre disposição da parte na avaliação de uma decisão.
Quanto à possibilidade de reformatio in pejus para a acusação, ou seja, melhorar a situação do acusado, quando houver recurso exclusivo a acusação, configurando autêntica reformatio in millius para a defesa há quem a defenda, sob o prisma de que, no processo penal, deve prevalecer o princípio da prevalência do interesse do réu. Parece, no entanto, que a prevalência desse interesse deve contar, no mínimo, com a provocação da defesa. Caso tenha havido conformismo com a decisão, não vê a doutrina majoritária razão para aplicar o princípio. Tem sido a posição dos Tribunais Superiores.
Entretanto, entende o professor Tourinho, em contrário que:
que a maior e mais expressiva corrente da doutrina brasileira admite poder o Tribunal, ante apelo exclusivo do MP visando á exasperação da pena, agravá-la, abrandá-la, mantê-la ou, até mesmo, absolver o réu, em face do papel que o MP representa nas instituições política. Assim, por que motivo estaria impossibilitado, ante exclusiva apelação do MP, de abrandar mais ainda a situação processual do réu, e até mesmo absolvê-lo? Se o Tribunal, em sede de revisão, pode fazê-lo, que razão o impediria de agir da mesma maneira ao julgar uma apelação ministerial visando ao agravamento da pena? (Código de Processo Penal comentado, v. 2, p. 364).
Reformatio in pejus indireta
Trata-se da anulação da sentença, por recurso exclusivo do réu, vindo outra a ser proferida, devendo respeitar os limites da primeira, sem poder agravar a situação do acusado.
Assim, caso o réu seja condenado a 5 anos de reclusão, mas obtenha a defesa a anulação dessa decisão, quando o magistrado-ainda que seja outro – venha a proferir outra sentença, está adstrito a uma condenação máxima de 5 anos. Se pudesse elevar a pena, ao proferir nova decisão, estaria havendo uma autêntica reforma em prejuízo da parte que recorreu. Em tese, seria melhor ter mantido a sentença, ainda que padecendo de nulidade, pois a pena seria menor. Parece justa, portanto, essa posição, que é dominante na jurisprudência atual.
Recurso em sentido estrito
Conceito
É o recurso cabível para impugnar as decisões interlocutórias do magistrado, expressamente previstas em lei.
Embora essa seja a regra, o CPP terminou por criar exceções:
- a) decisão que concede ou nega habeas corpus, considerando-se este uma autêntica ação constitucional;
- b) decisão que julga extinta a punibilidade do agente, pertinente ao mérito, uma vez que afasta o direito de punir do Estado e faz terminar o processo. O ideal seria considerar o recurso em sentido estrito como agravo, valendo para todas as decisões interlocutórias – e não somente as enumeradas em lei – aplicando-se, ainda, a apelação para as decisões definitivas, especialmente as que envolverem o mérito.
Cabimento
O CPP enumera expressamente as hipóteses para o cabimento de recuso em sentido estrito, não se admitindo ampliação por analogia mas unicamente interpretação extensiva. Nas palavras de Greco Filho,
O rol legal é taxativo, não comportando ampliação por analogia, porque é exceptivo da regra da irrecorribilidade das interlocutórias. Todavia, como qualquer norma jurídica, podem as hipóteses receber a chamada interpretação extensiva. Esta não amplia o rol legal; apenas admite que determinada situação se enquadra no dispositivo interpretado, a despeito de sua linguagem mais restrita. A interpretação extensiva não amplia o conteúdo da norma somente reconhece que determinada hipótese é por ela regida, ainda que a sua expressão verbal não seja perfeita (Manual de processo penal, p. 320).
Exemplo disso pode se observar-se na rejeição do aditamento à denúncia, que equivale à decisão de não recebimento da denúncia, prevista no art. 581, I. Dá-se à rejeição do aditamento uma interpretação extensiva, pois não deixa de ser um afastamento do direito de agir do Estado-acusação, manifestado pela ação penal. Cabe, então, recurso em sentido estrito. Há, no entanto, corrente jurisprudencial que não admite qualquer modalidade de ampliação do rol previsto no art. 581.
Outro registro que merece ser feito diz respeito à inoperância de determinados incisos doa art. 581, CPP, tendo em vista que, pelo advento da Lei de Execução Penal, passam a comportar a interposição de agravo em execução. Assim, continua sendo viável o recurso em sentido estrito para os seguintes casos:
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I – que não receber a denúncia ou a queixa;
II – que concluir pela incompetência do juízo;
III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV – que pronunciar o réu; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante; (Redação dada pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
VI – que absolver o réu, nos casos do art. 411; (Revogado pela Lei nº 11.689, de 2008)
VII – que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI – que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII – que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII – que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV – que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV – que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI – que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII – que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII – que decidir o incidente de falsidade;
XIX – que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX – que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI – que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII – que revogar a medida de segurança;
XXIII – que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação;
XXIV – que converter a multa em detenção ou em prisão simples.
Processamento
O prazo para interposição é de 5 dias, exceto na hipótese de inclusão ou exclusão de jurado da lista geral, cujo prazo é de 20 dias, contados da data de publicação definitiva da referida lista (art. 586, CPP).
Pode haver a formação de instrumento à parte, que será remetido ao tribunal, a fim de não prejudicar o andamento da instrução, como também se prevê a possibilidade de subida do recurso nos próprios autos do processo (art. 583, CPP).
São hipóteses em que o recurso sobe com os autos:
- a) recurso de ofício, como ocorre na concessão de habeas corpus;
- b) não recebimento da denúncia ou queixa;
- c) procedência das exceções (salvo a de suspeição)
- d) pronúncia. Neste caso, é incompreensível que o recurso contra a pronúncia suba nos próprios autos, o que prejudica o prosseguimento da instrução, ao mesmo tempo em que o art. 584, § 2º preceitua que o recuso da pronúncia suspenderá tão somente o julgamento. Não se pode instruir o feito, deixando-o pronto para o plenário sem os autos principais;
- e) decretação da extinção da punibilidade;
- f) julgamento de habeas corpus;
- g) não havendo prejuízo para o prosseguimento da instrução.
A maioria das situações descritas – extraída a pronúncia – provoca a paralisação do andamento do processo principal, motivo pelo qual não há empecilho para o recurso em sentido estrito ser processado nos autos, em a formação do instrumento.
A subida por instrumento significa que os autos principais não seguirão ao Tribunal ad quem, pois isso prejudicaria o andamento da instrução e o julgamento do mérito da causa. Tratando-se de decisão interlocutória, o objeto da impugnação, é natural que sejam formados autos à parte, remetidos à Instância Superior. Para tanto, a parte interessada precisa indicar as peças que pretende ver encartadas nos autos do recurso em sentido estrito.
São hipóteses em que se forma o instrumento para subida à parte:
- a) decisão que conclui pela incompetência do juízo;
- b) toda decisão concernente à liberdade do réu;
- c) indeferimento do reconhecimento da extinção da punibilidade;
- d) anulação da instrução no todo ou em parte;
- e) inclusão ou exclusão do jurado da lista geral;
- f) julgamento do incidente de falsidade.
Para subida por instrumento, incumbe à parte interessada indicar as peças que pretende ver encartadas nos autos do recurso em estudo (art. 587, CPP). O mesmo procedimento pode ser adotada pelo recorrido que, ao se manifestar (art. 588, CPP), também pode indicar peças para compor o instrumento.
São peças obrigatórias para que o Tribunal possa averiguar os requisitos de admissibilidade do recurso, tais co o a tempestividade, o interesse, a adequação e a legitimidade: a) decisão recorrido; b) certidão de sua intimação; c) termo de interposição do recurso.
Outra situação destacada pelo art. 583, par. único, CPP, recomendando a formação de instrumento à parte, é a pluralidade de réus em caso de pronúncia. Logo, havendo mais de um pronunciado, é possível que alguns não recorram, transitando em julgado a decisão, valendo, para eles o encaminhamento do caso à apreciação do Tribunal Popular. Para aquele que recorrer, impõem-se a formação de um translado, isto é, autos apartados, a fim de que suba o recurso, sem prejuízo do andamento do processo principal. Por outro lado, estipula o artigo em comento que a falta de intimação de um deles faz com que o recurso interposto por outro provoque a formação do mencionado traslado. Tal medida é imperiosa, uma vez que o processo, no caso de delito afeto à competência do júri, não tem prosseguimento sem que haja a intimação da pronúncia.
Após a interposição do recurso, dentro de dois dias, contados da sua apresentação ou do dia em que o escrivão, providenciando o traslado (quando for o caso), o fizer com vista ao recorrente, deverá este oferecer as razões. Em seguida, por igual prazo, abre-se vista ao recorrido. Quando esta for o acusado, será intimado na pessoa de seu defensor (588, CPP). A redação do referido art. dá a entender que o prazo de dois dias corre da data da interposição do recurso, sem qualquer intimação, o que não corresponde á realidade, aplicando-se a regra geral do art. 798, § 5º, a, do CPP. Justifica-se esse entendimento, pois o recorrente, ao apresentar seu recurso, deve aguardar o recebimento pelo juiz e seu regular processamento, para, então, poder apresentar suas razões.
Na seqüência, com a resposta do recorrido ou sem ela, o recurso é concluso ao juiz, que terá dois dias para reformar ou manter sua decisão, mandando instruir o recurso com os traslados que julgar necessários (art. 589, CPP). É o denominado juízo de retratação, propiciando ao magistrado, tomando conhecimento das razões do recorrente, convencer-se de que se equivocou na decisão, reformando-a. Nesta hipótese, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se comportar recurso, não sendo mais lícito ao magistrado modificá-la. Independentemente de novos arrazoados, pois as partes já se manifestaram sobre a questão em debate, determinará a subida do recurso ao tribunal (art. 589, par. único, CPP).
Efeito
O recurso em sentido estrito tem como regra, o efeito meramente devolutivo, isto é, devolve ao tribunal o conhecimento da matéria nele aventada, mas não provoca a suspensão do andamento do feito. Excepcionalmente, têm efeito suspensivo os seguintes casos art. 584, CPP:
Art. 584. Os recursos terão efeito suspensivo nos casos de perda da fiança, de concessão de livramento condicional e dos ns. XV, XVII e XXIV do art. 581.
- 1º Ao recurso interposto de sentença de impronúncia ou no caso do no VIII do art. 581, aplicar-se-á o disposto nos arts. 596 e 598.
- 2º O recurso da pronúncia suspenderá tão-somente o julgamento.
- 3 O recurso do despacho que julgar quebrada a fiança suspenderá unicamente o efeito de perda da metade do seu valor.
Assim, encontram-se tal efeito:
- a) contra decisão que considera perdida a fiança (art. 581, VII, segunda parte);
- b) contra decisão que denega seguimento à apelação ou a considera deserta (art. 581, XV);
- c) contra decisão que considera quebrada a fiança, somente na parte referente à perda de metade de seu valor (art. 581, VII, primeira parte). Lembremos que a declaração de quebra da fiança prova dois efeitos: perda de metade de seu valor e recolhimento ao cárcere.
Não mais tem aplicação o disposto no art. 584 quanto à concessão do livramento condicional, unificação de penas e conversão de multa em prisão. Os dois primeiros passaram a ser disciplinados pela LEP, passíveis de impugnação pela via do agravo, sem efeito suspensivo. O último caso foi extirpado ela modificação do art. 51, CP, inexistindo conversão de multa em prisão.
PERGUNTA: o que se entende por fungibilidade em recursos?
RESPOSTA: Significa que a interposição de um recurso por outro, inexistindo má-fé ou erro grosseiro, não impedirá que seja ele processado e conhecido.