
Foi na noite de 19 de setembro, sem aviso, que a temporada do Flamengo ganhou novo rumo. Mano Menezes, ex-técnico da Seleção Brasileira, pediu demissão após uma derrota para o Atlético Paranaense. Sai um treinador de renome, entra o desconhecido Jayme de Almeida, ex-atleta do Rubro-Negro que ocupava o posto de auxiliar desde 2010. “A insegurança foi total”, relatou Jayme ao FIFA.com.
A estreia, contra o Náutico, foi confusa, e terminou em um decepcionante empate contra o lanterna do Brasileirão. Foi só na partida seguinte, contra o Botafogo, que as peças começaram a se encaixar. A tensão da briga contra o rebaixamento foi, aos poucos, se dissipando. A fala mansa e as muitas conversas conquistaram o elenco e colocaram ordem na casa. O resultado foi uma arrancada que afastou o perigo do rebaixamento e levou o Flamengo à final da Copa do Brasil.
Quando fala sobre o sucesso do clube, Jayme adota um discurso humilde que se encaixa em seu calmo jeito de falar. Como em um papo informal à uma mesa de bar, repassa parte do mérito à torcida e, ao mesmo tempo em que pouco ressalta suas opções táticas, agradece aos jogadores. E até quando indagado sobre seu reconhecimento, diz apenas que fica feliz não por si, mas pelos amigos e parentes que sempre acreditaram em seu potencial.
Quis o destino, com um pingo de ironia, que os jogos mais importantes do ano para Jayme de Almeida fossem contra o mesmo Atlético Paranaense, o Furacão que, de um jeito ou de outro, fez o clube da Gávea encontrar seu norte em 2013. Às vésperas do jogo de ida da decisão da Copa doBrasil, o treinador conversou com o FIFA.com e deixou bem claro que o pensamento na final deve ser o mesmo de antes, quando andava como um desconhecido pelo Rio de Janeiro: “Não sou mais do que ninguém. Sei muito bem o que eu quero na vida, então isso não me afeta. Orgulho? Lógico que tem. Ser técnico do Flamengo é um orgulho muito grande”. Confira como foi a conversa!
FIFA.com: Mano Menezes saiu meio de surpresa…
Jayme de Almeida: Meio, não! Deixou todo mundo… Ficou uma insegurança danada!
Como foi a conversa de vocês depois do pedido de demissão?
Eu estive com o Mano só no vestiário, quando ele não abria a mão daquilo. Nós tivemos que respeitar a decisão dele. Foi a última vez que estive em contato com ele. A gente não via motivo para uma decisão tão drástica, mas acho que, para todo mundo, foi uma saída traumática. Ele estava comandando o Flamengo e já haviam começado as conversas para 2014. Ficou um vazio muito grande.
Apesar de conhecer bem o grupo, foi um susto assumir a equipe no meio do campeonato, não?
Com certeza. A insegurança foi total. Ninguém esperava. No início, foi muito duro. Aquele jogo com o Náutico lá foi muito difícil. A coisa começou a melhorar na partida com o Botafogo. A gente conversou mais com o grupo, colocou algumas coisas no sentido de a gente se fechar mais, ser mais parceiro. A torcida também foi ao Maracanã, e a gente não esperava tanto torcedor. A torcida do Flamengo resolveu fazer como ela sempre faz, dando apoio irrestrito, e o time correspondeu. A partir daí, a coisa começou a clarear. Antes, realmente, estava muito difícil.
Mas não se acerta um time só na conversa, né? Há um trabalho tático também, embora pouco ressaltado…
Na realidade, no jogo com o Náutico, não deu tempo de fazer nada. A gente também estava atravessando um momento difícil na parte física, com alguns jogadores sofrendo porque não tinham feito pré-temporada e estavam jogando direto. Fizemos um trabalho tático de 20 minutos para o Botafogo e acertamos a maneira de como seria aquele jogo, mas o que mudou realmente foi a postura. Os jogadores perceberam que a dificuldade era grande, e todos nós tínhamos que ser um pouco mais humildes, pensar um pouquinho mais no todo, deixar de lado vaidades e dar o melhor de cada um em prol de um coletivo. A proposta foi bem aceita, eles perceberam que era um momento bem difícil do clube e começaram a fazer. Agradeço que eles tenham entendido e aceitado.
Você tem uma relação boa também fora de campo com os jogadores. Como manter a autoridade em um momento mais complicado?
Os jogadores me respeitaram bastante. Estou aqui no Flamengo, nesta passagem atual, há três anos. Eles me conhecem bem, sabem da seriedade quando têm que trabalhar, que eu gosto de brincar na hora de brincar, e eles percebem isso. A gente tem que estar preparado para jogar. As oportunidades aparecem. Tem que respeitar o companheiro que estiver jogando, mas quando a oportunidade aparecer, tem que estar bem para poder entrar e dar conta do recado. Essa minha filosofia eles conhecem há muito tempo. Eles percebem no dia a dia que eu procuro tratá-los com todo o respeito, não dando privilégio a ninguém, mas respeitando cada um, sua história, e o sonho de todo mundo jogar e ser feliz no futebol.
Quando foi a última vez que você gritou?
(risos) Ah, às vezes, eu grito também. Eu só evito gritar em jogo porque ninguém escuta nada e você fica gritando à toa. Eu, como já joguei, sei como funciona. A concentração é total no jogo. Mesmo que eles olhem para mim, é muito rápido porque têm que olhar para o jogo. E a distância é grande, gritar ali não faz muito sentido. Às vezes a gente conversa com alguém mais ali na beira, e tem que ser em um momento que não esteja muito concentrado, quando a bola para.
Taticamente, qual o grande mérito do time?
A nossa transição da defesa para o ataque é muito boa.
Já houve gente comparando o Flamengo com o toque de bola do Barcelona…
Ah, não! Isso aí, não! Acho que a gente tem jogadores com qualidade no passe, então a gente procura ficar com a bola quando não dá para fazer a transição rápida. Nós temos dois laterais que são muito bons na parte ofensiva, que são o Leo (Moura) e o André (Santos), então quando a gente não consegue entrar em velocidade, procura trabalhar a bola. A nossa grande virtude mesmo é quando a gente é atacado e consegue sair em velocidade. A gente tem um contra-ataque muito rápido e jogadores com um passe muito bom. A gente tem feito muitos gols assim.
O quanto ajuda ter ocupado tantos cargos diferentes no Flamengo?
Comecei como auxiliar técnico do Seu Neca, que foi um dos grandes nomes do futebol do Rio de Janeiro na formação de atletas. A partir do infantil, trabalhei em tudo. Fui preparador físico, técnico, auxiliar técnico de todas categorias de base… Com isso, você conhece o clube bem, aprende muito, é fantástico ter a oportunidade de conviver com tudo isso. Dá uma base boa para seguir nessa carreira. Foi muito legal o aprendizado aqui dentro do clube.
Estar numa final de Copa do Brasil e jogando bem é um sucesso que surpreende, especialmente pela maneira em que você assumiu o time?
A gente sempre sonha para isso, mas a coisa aconteceu de uma maneira que a gente não esperava. Graças a Deus, a coisa está andando. A gente poder estar numa final de Copa do Brasil, que é um campeonato difícil, dá muito orgulho. Por eles, pelos meninos. É legal estar neste momento junto com eles e ter conseguido ajudar de alguma forma a eles chegarem onde chegaram.
O que mudou na sua vida fora de campo?
Muda que você passa a ser técnico de um time do poder do Flamengo, você deixa de ser uma pessoa que passa normalmente sem ser reconhecido nos lugares e começa a tirar muita foto, dar muito autógrafo. A relação com minha família, meus amigos, não mudou. Não sou mais do que ninguém, continuo sendo a mesma pessoa. Não me acho mais do que ninguém, sei muito bem o que eu quero na vida, então isso não me afeta. Orgulho? Lógico que tem. Ser técnico do Flamengo é um orgulho muito grande.
O futebol está descobrindo o Jayme? Você sente mais observado e reconhecido como técnico de time principal de fato?
Eu trabalho com o futebol desde que parei de jogar. Desde 1988 que eu estou nisso. Trabalhei em times não tão glamourosos e acredito que fiz trabalhos excelentes em todos eles. Lógico que a visibilidade muda. É legal para muita gente que sempre acreditou em mim. Através do trabalho, de procurar ser o mais correto e limpo possível na vida e esperar a oportunidade aparecer. De uma maneira que a gente não esperava, com certeza, mas graças a Deus a gente está conseguindo de um jeito bem legal.
É uma nova e velha carreira de treinador para você, não? Já sabe o que vai fazer ano que vem?
Meu compromisso com o Flamengo vai até o fim do ano. Minha preocupação é chegar a 8 de dezembro com duas vitórias. A gente está lutando para isso, para ser campeão da Copa do Brasil e para terminar o ano bem no Brasileiro. A partir de 8 de dezembro, a gente vai sentar e conversar. Não estou pensando, por enquanto, em nada que não seja a decisão da Copa do Brasil e o fim do Campeonato Brasileiro.
A final é contra o Atlético, que, coincidência ou não, foi o time que causou sua promoção a técnico principal. É uma maneira de o elenco provar que é melhor do que vinha jogando?
A gente não teve esse tipo de conversa. A gente sabe que o Atlético está na final com muito mérito, tanto quanto a gente. Eles têm um time que joga junto há muito tempo, está bem entrosado. A gente vai sem pensar muito no passado, sabendo que tem um caminho para seguir e vamos tentar fazer.