
No equilíbrio do Campeonato Brasileiro, em que dez pontos separam o quinto e o 16º colocados após 30 rodadas, são poucos os times que se sobressaem e respiram no dia a dia os ares da zona de classificação para a Copa Libertadores. Um deles é o Grêmio, que está há 16 rodadas ininterruptas entre os quatro primeiros. Dono da segunda melhor defesa e atual vice-líder do Brasileirão, o Tricolor Gaúcho encontrou uma forma sólida de jogar sob o comando de Renato Portaluppi, o Renato Gaúcho.
Um dos melhores atacantes brasileiros nas décadas de 80 e 90, o treinador conversou com oFIFA.com e disse os porquês do sucesso do Grêmio. O principal deles parece ser seu estilo sincero, “olho no olho”, que conquistou os atletas e os convenceu de que os resultados viriam em um esquema baseado na marcação forte. Campeão de uma Copa do Brasil e vice em uma Libertadores, Renato falou também sobre seus méritos como treinador não serem devidamente reconhecidos no país.
No bate-papo, o gaúcho de 51 anos lembrou ainda de seu tempo de atleta e lamentou o único título grande que faltou em seu currículo: a Copa do Mundo da FIFA. Por fim, repetiu a declaração que deu à imprensa brasileira e afirmou ter sido um jogador superior ao português Cristiano Ronaldo, que também veste a camisa 7. Confira a conversa na íntegra.
FIFA.com: Por que o Grêmio parece estar acima do equilíbrio do Brasileiro?
Renato Gaúcho: Acima de tudo, eu tenho um grupo que é bastante obediente na parte tática, e a parte tática é fundamental. Eu sei que não tenho uma equipe que dá espetáculo, que joga tão bonito quanto outros times que têm por aí, mas é um time eficiente, que tem uma dedicação, uma obediência tática, uma entrega muito grande dos jogadores. Nossa marcação começa lá na frente, desde os atacantes, entendeu? É o esquema que nós achamos, que deu certo, então nosso segredo é esse: um por todos, todos por um.
Incomoda quando chamam esse esquema de retranqueiro?
Não me incomodo. Quem não tem cão, caça com gato. Não adianta você querer jogar para a frente se você não tem as peças. Você vai acabar tomando muitos gols. No futebol, se você puder jogar bonito e ganhar, ótimo. Mas entre jogar bonito e ganhar, eu prefiro ganhar. Vai ficar lá o resultado do jogo, não se você jogou bem ou mal. O resultado são os três pontos. Hoje o Grêmio é o vice-líder da competição. O objetivo é ainda brigar pelo título, mas, se não der, é uma vaga na Libertadores. O Grêmio está mais da metade do campeonato no G-4. Isso prova que o Grêmio é eficiente.
Não é sua primeira boa campanha como treinador. Ainda falta reconhecerem seus méritos nessa função?
Para falar a verdade, sou um pouco culpado nisso. Reconheço que não me dão o devido valor porque não sou um treinador que trabalha em quatro, cinco, seis times. Eu prefiro fazer um trabalho mais demorado, a longo prazo, que eu sei que vai dar resultado. De repente, eu saio de um clube e pintam propostas que eu não quero… Não vou ficar desesperado para trabalhar só para dizer que estou trabalhando. Para ir na fria, eu não vou. Então, às vezes, não dou aquela sequência no meu trabalho. Talvez seja por aí que as pessoas não me levem tão a sério. Em todos times que eu trabalhei meus resultados estão lá, entendeu?
O quanto atrapalha o fato de você não ser um técnico de discurso pronto, necessariamente politicamente correto?
Você diz como, “discurso politicamente correto”?
Outro dia você falou ser melhor que o Cristiano Ronaldo.
Mas eu sou. Não é marra nenhuma não. Eu me considero melhor que ele, é uma opinião minha.
Mas você concorda que nem todo mundo falaria isso abertamente?
Pois é… No meu trabalho, no dia a dia, eu sou muito sincero. Não admito trairagem. É olho no olho. É meu modo de trabalhar e sempre deu certo. Quando cheguei no Grêmio, havia um milhão de problemas. Sem ter tempo para trabalhar direito, ajudei a consertar todos eles, e hoje o Grêmio é vice-líder. Todo mundo falava que o Grêmio iria brigar para não cair. Eu sou espontâneo e verdadeiro. Não fico fazendo rodeios para agradar a gregos e troianos. Eu falo o que penso, agradando às pessoas ou não.
Quando você diz que consertou os problemas do Grêmio, isso também foi na base da conversa?
O grupo do Grêmio tinha muitos problemas dentro de quatro paredes. Conversei bastante com eles, expus minha maneira de pensar e de trabalhar… Eles entenderam, nós corrigimos muitas coisas e depois fomos para dentro de campo. Fui consertando taticamente, e hoje o Grêmio está ali, com o grupo totalmente fechado. Vacilamos um pouquinho, como qualquer outra equipe, mas a gente ainda continua pensando no título, sim.
Taticamente, de onde vêm suas referências?
Eu vejo muitos jogos, muitos treinadores. Acompanho a Seleção Brasileira, os campeonatos europeus, acompanho os jogos da segunda divisão e tiro minhas próprias ideias da minha cabeça. Eu joguei durante 20 anos, trabalhei com os melhores treinadores. Eu estive lá dentro. Acho que entendo um pouco dessa coisa. Em 2010, foi assim também. O Grêmio estava em 19º, prestes a ser rebaixado, e ganhamos o segundo turno e chegamos na Libertadores. Você pergunta se eu estudo a parte tática? Estudar, tem muita gente que estuda, mas não consegue colocar em prática. Eu estudo a parte tática, vejo jogos e coloco em prática. Isso é que vai te dar o resultado.
Falamos do seu reconhecimento como técnico. Também falta isso do Renato atleta, principalmente fora do Brasil?
É porque eu joguei um ano na Itália e não fui bem. O primeiro ano lá fora, para o brasileiro, não é bom. Hoje, eu me arrependo de ter voltado. Eu tinha contrato de três anos. Terminou o primeiro ano, o Flamengo foi lá e me trouxe de volta. Eu, que já estava louco de saudade, voltei. Praticamente não joguei na Europa, por isso que o mundo todo não me conhece. Aqui noBrasil, sempre fui reconhecido e valorizado como jogador, sim. Fiquei dez anos na Seleção Brasileira e só não ganhei uma Copa do Mundo porque não me botaram para jogar. Em uma (1986), eu fui cortado. Na outra (1990), eu estava bem também, e o (Sebastião) Lazaroni não me convocou. Vou fazer o quê? Isso que é minha… Não é nem mágoa. Eu fico triste, mas a minha parte eu fiz. É o que eu falo. Hoje, eu acho que eu deveria ter sido punido, mas não daquela forma. Hoje, se tem um jogador meu que vai aprontar, eu vou punir. Mas não vou me punir. Não vou punir o país. Vou continuar tendo o jogador. Sei que o cara vai me fazer falta. Como treinador, tenho outra cabeça e agiria de forma totalmente diferente.
E na decisão de voltar da Itália, você também agiria diferente hoje?
O presidente do Roma dizia, na época, que o primeiro ano do Falcão também foi terrível, que a temporada inicial é para o estrangeiro se adaptar. Mas como eu estava com muita saudade doBrasil, e o Flamengo já estava me cantando há muito tempo, eu voltei para disputar a Copa do Mundo de 1990 e acabei ficando por aqui. Hoje, com todo respeito ao Flamengo, eu teria ficado na Europa. Com a cabeça que tenho hoje, claro, mas são épocas diferentes. Eu tinha 25 anos. A idade faz com que a gente não conte até dez. Hoje, eu contaria até dez e teria ficado.
Essa valorização do futebol europeu leva de volta à comparação com o Cristiano Ronaldo…
Ele joga muito pelo lado esquerdo e tem um bom chute, mas eu jogava pelo lado direito, também como centroavante, e ainda joguei pelo lado esquerdo. Para mim, não tinha posição. Quando ele sai do lado esquerdo, tem uma dificuldade grande. Eu era muito mais habilidoso do que ele. Mas, sem dúvida alguma, é um grande jogador. Isso não vou discutir. Só que ele tem a grande vantagem de jogar em um dos melhores times do mundo, que é o Real Madrid, e atua na Europa. Todo mundo está vendo. Na minha época, quem me viu jogar, vai falar “o melhor é o Renato”. Mas são épocas diferentes. Eu queria ver ele jogar onde eu joguei, com a dificuldade que tinha, e me colocar no Real Madrid. Essa é minha opinião.

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